1ª Fase – Agregação Desorganizada ou Amontoado – Este é o primeiro passo para a resolução de problemas que um adulto resolveria com a formação de um novo conceito. Este amontoado, que revela a ausência de uma real capacidade de organização, revela uma extensão difusa e não direccionada do significado do signo (palavra artificial). Nesta fase, a palavra nada mais é do que um conglomerado vago, que forma uma imagem na mente da criança. A esta tendência que as crianças têm para a agregação desorganizada designou Claparede por “sincretismo”. Esta desorganização inicial do pensamento infantil tem por compensação o elo comum que consiste na similitude entre o modelo (adultos com que se relacionam) e o objecto concreto. É a partir deste elo que a evolução do pensamento infantil modela e organiza o sentido semântico, pois de outro modo, certamente que evoluiria para soluções de significação divergentes e autistas – os significados dados a uma palavra por um adulto e por uma criança em geral coincidem, por assim dizer, no mesmo objecto concreto, e isso é suficiente para garantir a compreensão mútua. Destaque-se, uma vez mais, a relevância que Vigostki atribui às relações interpessoais e aos factores de enraizamento sócio-cultural no processo geral do desenvolvimento cognitivo. Não poderemos deixar de reafirmar e invocar redundante e ciclicamente este axioma fundamental nas teorias de Vigostki. Voltaremos a falar nele.
Esta primeira fase divide-se em três estágios; 1) Estágio de “tentativa e erro” - no qual a criança cria grupos de objectos ao acaso e sem qualquer organização mental aparente para os mesmos – pensamentos ainda sem sentido ou significado. Quando o experimentador diz que o nome do objecto não corresponde, a criança simplesmente pega noutro ao acaso; 2) Organização do campo visual - na qual o critério parece ser o da simples disposição espacial dos objectos; 3) A criança distingue de entre o conglomerado alguns objectos, embora não lhes imprima uma forma explícita de organização – continua a ser um conglomerado, embora represente já um esboço de organização, que antecede a transição para a fase seguinte.
3.1 Breve Exposição da Fase Pré-Conceptual do Pensamento na Infância.
Até que a capacidade para o pensamento conceptual surja plenamente desenvolvida, Vigostki sugere três fases que o antecedem e preparam. Estas ilações são produto das observações decorrentes do seu estudo experimental. A experiência levada a cabo por vigostski privilegiava o método de observação induzida e o objectivo pautava-se pelo estudo da relação entre o desenvolvimento da linguagem e a capacidade de pensar conceptualmente por abstracção, ou seja, a capacidade para formular e pensar de acordo com generalizações independentes das imagens e das relações factuais com o meio físico. As experiências de Vigostki partiram do pressuposto que a capacidade de organização da criança estaria directamente relacionada com o estado do seu desenvolvimento, e que o seu desenvolvimento seguiria ao ritmo da evolução das suas capacidades de organização. Deste modo, dispunham-se objectos com características específicas (semelhanças e diferenças basicamente) de modo a observar os resultados práticos das crianças quanto à organização da disposição dos objectos e consequentemente, ao seu modo natural de raciocínio e aos factores ou atributos a que davam mais relevância no acto de colectar e organizar mentalmente os dados ao seu dispor. A capacidade de generalizar será portanto o factor fulcral nas experiências de Vigostski, que por sua vez se relaciona com a capacidade de abstracção, ou seja, pensar por meio da linguagem sem recurso a imagens ou dados factuais concretos. Vigostki traça uma clara analogia entre o desenvolvimento da fala e os progressos na capacidade da organização intelectual nas crianças – quanto mais sofisticado é o grau de generalização, maior o domínio geral das competências linguísticas, sendo que a aquisição gradual da linguagem consiste no factor determinante de todo o processo do desenvolvimento. Como já foi dito, até que o pensamento conceptual se torne possível, a criança passa por três fases distintas de desenvolvimento:
1ª Fase – Agregação Desorganizada ou Amontoado
2ª Fase – Pensamento por complexos
3ª Fase - Desenvolvimento da Capacidade de Abstracção
Atentemos cada uma delas em pormenor de seguida
(...) LINGUAGEM, FORMAÇÃO DE CONCEITOS E GÉNESE DO PENSAMENTO - Continuação...
As conclusões dos estudos realizados pela equipa de Vigostki em mais de 300 sujeitos, entre os quais crianças, adolescentes e adultos de ambos os sexos, podem ser assim resumidas:
- Os processos que levam à formação dos conceitos e das formas mais abstractas da ideação só na puberdade se completa, embora desde muito cedo a criança possua processos semelhantes que se transformam gradualmente até atingirem o seu pleno desenvolvimento. Os estudos de Vigostki visam precisamente a investigação do percurso evolutivo da estrutura embrionária que leva à possibilidade do conceito. A formação de conceitos será uma actividade que engloba todas as funções intelectuais básicas, sendo que não poderá ser resumido à associação, à atenção, à formação de imagens, à inferência ou às tendências determinantes – todas em conjunto, acrescidas da relevância do signo e da palavra, consistem na solução que Vigostki propõe para o problema que investiga, ao contrário de seus predecessores que defendiam soluções mais redutoras. O meio ambiente será também fundamentalmente determinador, pois sem o estímulo directo dos novos problemas a resolver, o indivíduo será atrofiado e o seu desenvolvimento sofrerá um atraso considerável, senão irremediável. A formação dos conceitos, e consequentemente a capacidade de raciocínio abstracto, será fruto de uma experiência mediada pela moldura sócio-cultural que instigará relacionalmente primeiro a criança em desenvolvimento, e futuramente o adolescente em formação, já plenamente capaz de pensar e raciocinar por puros conceitos. Nestas fases mais adiantadas de desenvolvimento intelectual, não se alcança um novo patamar inexistente até então como defendido pela tradição – todas as estruturas pré-existentes se fundem para tornar possível a nova competência (pensar por abstracção, ser capaz de diferenciar o conceito “isto” do objecto que “isto” designa, atingir a capacidade de compreender a generalização independentemente das causas factuais). Neste processo de desenvolvimento, a escola terá uma importância fundamental (como veremos adiante), já que os conceitos científicos induzidos se revelam como um instrumento que acelera a tomada de consciência da própria capacidade de abstracção e de generalização. O processo é acelerado pela tomada de consciência de realidades que de outra forma a criança não poderia descobrir por si só, ou então demoraria muito mais tempo .
3. LINGUAGEM, FORMAÇÃO DE CONCEITOS E GÉNESE DO PENSAMENTO
Relativamente ao estudo da génese dos conceitos na infância, Vigostki critica a tradição – tradicionalmente, tendeu-se a dar relevância ao estudo dos conceitos já na sua fase de consumação. Deste modo, ao invés de promover a investigação dos meios e do processo, evolução e transformação por fases de desenvolvimento, tendeu-se para a avaliação dos conceitos já desenvolvidos, ou seja, para a análise não dos processos em si, mas do nível dos conhecimentos já adquiridos pelos sujeitos da experiência. O que Vigostki nos propõe será então o estudo do percurso da formação dos conceitos na infância e acima de tudo, o papel que a linguagem e a sua aquisição ocupa nesse processo.
Vigostki, toma por ponto de partida os estudos de Ach e Rimat, a partir dos quais critica as tendências tradicionais, que defendem a concepção de que a formação de conceitos se baseia em conexões associativas, apoiadas pela perseverança. Assim, o desenvolvimento dos conceitos não poderá ser explicado com base numa simples associação de palavras a objectos concretos, posteriormente cimentada pelos mecanismos da memorização – o processo de formação de conceitos dependerá antes de mais nada do surgimento de um problema que levará à formação de novas possibilidades (a tendência determinante). Deste modo, a formação de conceitos será um processo criativo, e não um processo mecânico e passivo. Segundo Vigostki esta solução não é ainda suficientemente convincente, pois não especifica o que faz o pensamento infantil diferir do pensamento adulto – estaremos ainda no registo da intencionalidade. Para superar as ambiguidades e as lacunas presentes nos modelos descritos, ter-se-ão que considerar outros factores ainda não examinados pelos investigadores.
Com Usnadze é introduzido no estudo da formação dos conceitos uma nova variável – a relevância que a comunicação com os adultos tem para o desenvolvimento inicial das competências linguísticas. Embora a criança ainda não esteja apta a raciocinar por conceitos puros, ou seja, por ideação abstracta, o contacto comunicacional com os adultos irá criar as condições para que se inicie o seu desenvolvimento. A criança começa desde cedo a desenvolver equivalentes funcionais de conceitos, embora funcionalmente o seu intelecto não funcione da mesma forma que o dos adultos. De realçar a importância que as palavras e os signos têm no processo da formação dos conceitos. Assim, aprender a pensar é antes de mais aprender a falar, e a comunicação sócio-relacional é o factor indispensável para tornar possível tal evento. O percurso da evolução do pensamento é o percurso da gradual abstracção por generalização que o domínio da linguagem irá sucessivamente possibilitando – a palavra será fundamental para o processo do desenvolvimento cognitivo, factor negligenciado por Ach.